O dia da nossa LIBERDADE - por Jeanne Paolini
- Bruna Mundim
- 26 de jul. de 2024
- 6 min de leitura
O dia 11/04/23, foi uma terça feira, completávamos 38 dias no presídio. O domingo anterior foi Domingo de Páscoa, além de ter sido uma data muito difícil de passar ali pois, sempre passamos esse feriado ao lado das nossas famílias, o pior era a quantidade de horas que ficávamos fechadas na sela aos finais de semana e feriados.
No presídio o horário de convívio social já era reduzido a partir das sextas feiras. As celas eram abertas às 6h da manhã, fechadas às 6h50min. e depois saíamos para o almoço às 11h30min. e por volta de 16h as celas eram fechadas e só abriam no outro dia às 8h da manhã, isso se não houvesse algum imprevisto para fechar as celas antes, como alguma falta no quadro de seguranças, alguma tentativa de suicídio, alguma briga entre detentas e várias outras situações que faziam os guardas fecharem as celas antes do previstos.
Nesse final de semana em específico, foi torturante, porque na sexta já começou a redução no horário de convívio social e se estendeu para sábado, domingo e segunda. Na Alemanha a segunda de Páscoa também é feriado. Foram quarto dias seguidos, trancadas cerca de 16h por dia.
Na quinta feira anterior, todas as provas solicitadas pelo Ministério Público Alemão, foram enviadas do Brasil, via Itamaraty, além disso um pendrive foi entregue a um piloto da Lufthansa com mais de 200h de gravação para a polícia alemã, comprovando que não tínhamos nenhuma ligação com o crime pelo qual estávamos presas. Então, nós sabíamos que tudo que poderia ser feito para provar a nossa inocência, havia sido feito.
Estávamos na expectativa pela análise do Ministério Público Alemão e pela chegada da nossa família em Frankfurt. Como tudo já havia sido feito, nossa advogada, minha mãe e minha cunhada, embarcaram para Alemanha pois, caso não fossemos soltas elas iriam fazer um protesto na porta do presídio. Já estava tudo organizado com um grupo de brasileiros que moravam em Frankfurt.
Kátyna e eu nos encontramos às 6h da manhã e como era dia de chegar nossas compras, não tínhamos muita coisa, além de pão, margarina e um pouco de leite, esse foi nosso café da manhã neste dia. Conversamos muito sobre a expectativa da chegada da nossa família, eu estava muito apreensiva por minha mãe me ver em um presídio naquela situação, talvez seria uma imagem que marcaria ela pelo resto da vida, mas ainda bem que não chegou a acontecer isso.
Depois do café da manhã nos trancaram novamente e eu fui ler um livro, dois dias anteriores haviam chegado 3 livros em português no presídio, eu estava na metade do livro “A última ceia” de Nuno Nepomuceno. Após alguns meses que chegamos no Brasil, comprei esse livro para terminar de ler, foi um livro que me marcou muito. Kátyna e eu nos encontramos novamente no horário do almoço, não me lembro do que foi servido esse dia, provavelmente algo estranho.

Assim que voltamos do almoço, nossas compras chegaram, eles liberavam duas detentas por vez para receber suas compras, lembro de ter ajudado minha vizinha de cela, apelidada por outras brasileiras de “Pampers”, porque ela era bem idosa e usava fraldas. Muitas pessoas tinham medo dela, inclusive eu, ela foi presa porque matou os dois netos crianças e colocou em um saco de lixo, porque segundo ela eles estavam com o demônio no corpo. Mesmo sabendo disso meu instinto em ajudar uma idosa falou mais alto e ajudei a levar as caixas na cela dela, mas morrendo de medo.
Depois que levei minhas compras para a cela, o Pastor chamou a Kátyna e eu para falar com a assistente social, pois foi feito um pedido formal do Consulado do Brasil em Frankfurt para que o presídio liberasse a visita da nossa família naquela semana, então tivemos que fazer alguns cadastros para receber nossos familiares. Descobrimos após alguns dias que o presídio respondeu ao Consulado negando a visita dos nossos familiares. Depois disso, voltaram a nos trancar nas celas e lembro perfeitamente que eu estava me deliciando com se fosse a melhor coisa que eu comi nos últimos tempo, um capuccino e um macaron, porque nossa família nos mandou dinheiro para fazer compras, quando de repente, um policial abriu a minha cela e pela primeira vez eu vi um deles falar inglês antes de alemão e disse: “You are free.” Eu não acreditei, ele teve que falar umas cinco vezes, até que eu saí na porta e vi a Kátyna gritando no corredor: “Jeanne, estamos livres.” Corri, abracei ela, levamos uma bronca e nos mandaram arrumar a nossa cela. Tínhamos que guardar todas as nossas roupas e levar para a lavandeira antes de irmos embora.
Joguei tudo de um grande saco de tecido que nos dão quando chegamos e nesse momento as ouras meninas estavam saindo para o banho de sol, consegui me despedir de algumas e chamei a Kelly para levar todas as coisas que comprei para a cela dela e dividir com as outras meninas. A Kelly merece um momento só para ela aqui, ela foi uma das brasileiras que nos ajudou muito lá dentro, inclusive dividiu a pouca comida e produtos de higiene pessoal que ela tinha conosco quando chegamos e não tínhamos nada. Hoje ela está livre e ainda conversamos com ela, depois teremos um momento para falar da Kelly.
Era por volta de 15h, horário de lá, quando recebemos a notícia. Antes de sair tínhamos vários protocolos para seguir e claro que eu estava louca para deixar aquele lugar. Depois que deixamos as roupas que recebemos lá, nos levaram para um segundo prédio onde as nossas roupas que chegamos e os nossos pertences estavam. Mas antes tivemos que passar por outra humilhante revista íntima, eu não entendia, já haviam comunicado que éramos inocentes, mesmo assim tínhamos que passar por esse procedimento. Depois disso coloquei minha roupa, meu relógio, meus brincos, meu escapulário, minha bota e recebi minha mochila. Lembro que foi uma das melhores sensações que tive, usar o que por direito era meu.
Um policial nos levou até a saída do presídio e lá nos entregaram um documento muito importante confirmando que estávamos livres caso algum policial nos parasse na rua. Assim que saímos, cerca de 1h30min. depois, o Consulado já estava nos esperando lá, o Júlio, Luísa e o Paulo. Pessoas queridas que desde o início acreditaram na nossa inocência e fizeram de tudo para nos ajudar e hoje se tornaram nossos amigos. Temos muita gratidão e carinho por todos do Consulado, eles tiveram um papel primordial ao serem ponte entre o governo brasileiro e o alemão, além de ajudar na comunicação com nossas família e advogados.


Assim que saímos, pedi para me levar em uma igreja que eu via o topo pela janela da minha cela, todos os dias eu fazia minhas orações e pedia para que Deus encurtasse aqueles dias lá e uma promessa que fiz nesses dias era que a primeira coisa que eu iria fazer quando saísse dali, seria ir lá e agradecer e assim eu fiz. Infelizmente ela estava fechada, mas agradeci olhando para a mesma cruz que eu olhava todos os dias da janela do presídio, mas agora do lado de fora.


Logo depois fomos para a casa do embaixador Alexandre Vidal, nossa família estava desembarcando em Frankfurt e iríamos nos encontrar lá. O embaixador nos recebeu com muito carinho e acolhimento. Uns minutos depois minha mãe, minha cunhada e nossa advogada chegaram, foi o abraço mais forte que dei na minha mãe, eu tinha muito medo de não a ver por muitos anos e ela não teve que levar na sua mente a imagem da filha vestida de presidiária. Ela me deu um beijo e disse; “Acabou o pesadelo, minha filha.” E eu só consegui chorar.


Depois de muitos abraços e choro, o embaixador quis nos levar para jantar, ele perguntou o que estávamos com mais vontade de comer e era carne. No presídio foram poucos os dias que eram servidos carne e eu gosto muito de carne, logo pedi uma bisteca fiorentina, meu prato predileto de carne, foi a mais gostosa da vida, porque aquela tinha um sabor muito especial, da liberdade. Aproveitei esse tempo também para ligar para alguns familiares e amigos mais próximo.



Nos despedimos de todos do Consulado e fomos para o hotel descansar. Depois de medicadas para dormir, foi uma ótima noite de sono depois de 38 de privação do sono. Sabíamos que no outro dia e nos próximos meses ainda teríamos muitas coisas para resolver na Alemanha, mas foi uma noite de sono revigorante para a longa batalha que teríamos para frente.
Depois eu conto como foram os outros dois dias que seguimos na Alemanha até retornarmos para a nossa casa, esse foi só um dia, talvez o dia do nosso renascimento, o dia da devolução do que era nosso por direito, a nossa liberdade!
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